Resenhas

                       Caso 1 - Mequinho Convida Mequinho morava no Rio de Janeiro, já recuperado da grave doença que o retirou do cenário internacional quando, inesperadamente, me convidou para jogar uma partida de xadrez de 10 minutos. Era uma honra rara motivada, talvez, por um sentimento de dívida pois ele havia me pedido que apresentasse a AABB a um parente em visita à cidade (na época, a Associação Atlética Banco do Brasil tinha o mais belo salão de xadrez da cidade).
Tarefa cumprida, fui até sua casa, local marcado para a partida. A sala não tinha móveis: Apenas uma mesa de xadrez e duas cadeiras. O piso de sinteco sem tapetes ou carpete e alguns livros (muitos sobre religião), completavam o cenário. Fomos direto para a mesa de jogo e o próprio Mequinho tirou as pedras de dentro da caixa e começou a arruma-las sobre o tabuleiro. Quando percebi que estava colocando as pretas para si e as brancas para mim, comecei a ajuda-lo na tarefa.
Não lembro como foi a partida. Mas só o fato de perguntarem "como foi?", já é uma grande delicadeza. Foi um massacre! A partida não durou 2 minutos. Acho que nem chegamos ao meio-jogo. Quase todas as peças ainda estavam em seu próprio campo. Que frustração! Provavelmente seria minha única partida com um GMI em toda minha vida e ela durou menos que o tempo que levamos para arrumar as peças... Fiquei desapontado pois aquela oportunidade era única. Nunca mais surgiria outra... apenas 2 minutos... Mate! Nem vi de onde veio...
Sequer levantei os olhos para ver a cara do Mequinho. Eu tinha que fazer alguma coisa e, desesperado, comecei a voltar rapidamente minhas peças para a posição inicial. Eu queria começar outra partida... quem sabe... A reação do Mequinho, contudo, foi imediata: com um único gesto recolheu todas as suas peças como se fossem feijões numa bacia e começou a protestar com elas ainda entre as mãos.
- Não, não, não... Agora EU jogo com as brancas!


Caso 2 - Xadrez: Jogo de Azar
O clube da AABB tinha um ótimo salão de xadrez aberto aos sócios do clube e aos jogadores da federação. A totalidade dos freqüentadores era de homens. Alguns jovens outros velhos, alguns solteiros outros casados mas todos só saiam do salão as 10h forçados pelo regulamento da casa que ditava a hora de fechar o salão.
Ali eram comuns os torneios informais de xadrez relâmpago onde se misturavam federados e sócios. O emparceiramento era do tipo "todos-contra-todos" e, naquele dia em especial, tínhamos uma mulher competindo. Não era uma mulher qualquer, era Norma Snitkowsky, campeã carioca.
Agora eu lhe pergunto: Quais as chances de você ser casado com uma mulher ciumenta, freqüentar um salão de xadrez todas as noites onde só tem homem, participar de torneios relâmpagos com outros 30 homens e, justamente na noite em que aparece uma campeã carioca, sua esposa também aparecer na porta do salão (onde ela nunca esteve antes) justamente no momento em que transcorre a rodada na qual você está emparceirado com a única mulher do salão?
As chances são difíceis de calcular mas o que aconteceu a seguir você já deve desconfiar. A esposa ciumenta não quis nem saber o que estava acontecendo. Foi direto pra cima do marido azarado e o que se seguiu foram pifas e tabefes entremeados de gritos "EU SABIA!", "TODOS ESSES ANOS!", "É ESSE O XADREZ QUE VOCÊ JOGA, SAFADO", e tome pifa.
Norma não tem nome britânico mas tem a fleuma. Permaneceu imóvel todo o tempo até nosso assíduo freqüentador ser retirado do salão à força (não pelo regulamento da casa mas pela orelha mesmo). Só então fez seu lance e acionou o relógio do adversário que, aliás, nunca mais se viu a sombra.


Caso 3 - Do You Speak English?
No Tijuca Tênis Clube do Rio de Janeiro acontecia a final de um concurso de solução de problemas. Entre uma etapa e outra um grupo de competidores se reunia ao redor de um tabuleiro para analisar algum problema ou partida. No meio dos debates surge uma figura tímida e um tanto aflita.
- Por favor, onde eu banho?
Todos, sem entender nada, se viraram para aquela pessoa e permaneceram calados. Diante do silêncio, o rapaz tentou novamente mas, desta vez, pausadamente.
- On-de-eu-ba-nho?
Ficou óbvio que o sujeito não era brasileiro nem argentino. Eu ainda tentei um "do you speak english?" mas só piorou a situação. O rapaz foi ficando nervoso, fazia gestos e, num ato que beirava o desespero, falou em sua própria língua.
- Toilette!
Todos começaram a rir e o francês também riu junto (talvez de alívio) e, após alguns segundos de desconserto, todos responderam em uníssono: "final do corredor à direita"!
Antes que o francês pudesse agradecer, todos já tinham lhe dado as costas retornando à interessante análise. Talvez por isso não tenham escutado ele murmurar...
- Co-mo?


Caso 4 - Xadrez e Medicina
O posto 12 no calçadão da praia do Leblon era o ponto de encontro de vários enxadristas da cidade (agora o ponto está numa praça perto dali). O clube informal, "fundado" pelo francês Pierre, já recebeu artistas, como o maestro Severino Araujo (que sempre aparecia quando tinha uma folga da Orquestra Tabajara), jogadores federados, como o Christian Toth, jogadores de outras cidades, como o brasiliense Lincoln Lucena (que apareceu por lá incógnito mas foi denunciado pela barba) e, principalmente, anônimos aficionados (que eram a grande maioria).
Um deles era médico e, durante uma partida, fez um comentário para o adversário.
- Este seu lance não pode ser bom. Você está com leucopenia.
- O quê? - perguntou o outro sem entender.
- Não me refiro a você! A sua estrutura de peões deixou sua posição com fraquezas nas casas brancas. Isso é leucopenia. Os leucócitos, por exemplo, tem esse nome porquê são brancos.
Stelling, que observava a partida, achou o comentário interessante e, para não interromper, ficou ali aguardando até os dois terminarem. Assim que a partida chegou ao fim, foi logo perguntando ao médico...
- Perdão, o Sr. fez um curioso diagnóstico (aliás, bastante correto pois o levou à vitória) mas e se as fraquezas estivessem em casas negras? Que mal seria?
- "Melampenia"! - respondeu o médico apontando para o braço queimado de sol.

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