O Pequeno Josué

Por Roberto Capel Molina

Mais ou menos às 4 horas da madrugada do dia 08/11/2010, acordei subitamente, perdi o sono e rapidamente me veio á mente cinco pessoas, todos jovens enxadristas amigos meus, e uma vontade imensa para que eu transmitisse a eles a boa nova. 
                           
Seria sobre o culto do dia anterior na Igreja Batista da Lagoinha à noite, o qual falava sobre a vida de Josué, personagem bíblico, que quando chamado á responsabilidade de assumir o lugar de Moisés na condução do povo de Israel na caminhada para a terra prometida por Deus, Canaã, este não decepcionasse.

A promessa de Deus para Josué se seguisse os princípios e a vontade d’Ele era de que onde pisasse a planta dos seus pés seria conquistado, porém, foi lhe pedido que se esforçasse e tivesse bom animo (Josué1: 2ª9).

A mensagem que eu deveria lhes transmitir era essa, que se eles querem realmente vencer na carreira de enxadrista ou em qualquer área profissional, tem que haver muito ânimo, muito esforço, estudo e estar com Deus no coração e em atitudes o tempo todo, e os resultados virão com certeza.

O bem da verdade esta mensagem bíblica serve para qualquer ser humano que quer vencer em determinada área de atuação.
Ao relatar à família de Vitor Hugo Campos de Sousa uma das cinco pessoas a quem eu deveria levar a mensagem, o fiz através de carta aos moldes antigos.

Daí fui saber mais daquele menino e me inteirar da sua história com o xadrez e somar ao que já conhecia dele.
Então descobri que Vitor Hugo hoje com 11 anos completados em 03/12/2010, é uma das pessoas mais apaixonadas pelo xadrez que eu conheci em toda a minha vida. Mas o mais interessante ainda estava por vir.

Vitor Hugo conheceu o xadrez, ou melhor, foi fazer xadrez por ser portador do transtorno TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade). É uma desordem do déficit de atenção, que simplificando quer dizer: menino hiperativo. O distúrbio foi diagnosticado aos três anos de idade.

O diagnostico final, depois de evidencias comprovadas do transtorno e a realização de inúmeros exames, é dado por um medico terapeuta ou neurologista que atua na área.

As evidencias que caracterizam uma criança hiperativa são inúmeras, como por exemplo: Falta de atenção, impulsividade e instabilidade emocional, são desorganizadas, ansiosas, impacientes e tem dificuldades para se concentrar e incapazes de ficarem quietas, não terminam o que começam, esquecem compromissos, possuem baixo rendimento escolar, mesmo tendo uma inteligência muitas vezes acima do normal, como é o caso aqui relatado.

Estudos e pesquisas medicas comprovam que 3% das crianças são portadoras desse transtorno, em maior ou menor grau, e desse total apenas 10% são do sexo feminino.

São rotulados como mal educados e sem educação e tornam-se vítimas desse mecanismo de análise generalizado ou pré-julgamento.

Portadores de TDAH requerem um cuidado delicado, tanto por parte dos pais e família, quanto por parte das escolas, incluídos professores e pedagogos.

Vitor Hugo possuía todos esses caracteres citados e ainda outros. Eu disse possuía, até 8 ou 9 anos, pois o xadrez entrou em sua vida.

Recomendado a procurar uma atividade terapêutica com o objetivo de abrandar o problema, Vitor Hugo se inscreveu nas Oficinas Pedagógicas Caio Martins, da fundação Helena Antipoff, para fazer origami (oru-dobra, kame–papel) a arte de fazer objetos com papel, como corações, flores, diagramas. Ele abandonou-a semanas depois considerando–a não atraente e simples demais.

Foi inscrito então na oficina de xadrez da mesma instituição anterior, depois de muita insistência sua.

O professor Domício de Souza Júnior é quem ministra xadrez nas oficinas pedagógicas Caio Martins para alunos de escolas diversas de Ibirité, incluindo a escola Sandoval Soares de Azevedo onde Vitor Hugo estuda.

Domício assim permitiu a matrícula de Vitor Hugo, sabendo de antemão o tamanho da tarefa que teria pela frente.

É interessante notar como pessoas são colocadas, levantadas por Deus para fazerem parte da história de outras pessoas.
Algumas delas atravessam na vida de outras como fachos de luz, que correm pelas frestas de janelas ou telhados e iluminam lugares antes escuros, porém de uma forma mais duradoura e permanente. E assim se sucedeu com o professor Domício que não fugiu á responsabilidade e dotado de grande sabedoria e um coração que não tem tamanho, assumiu o compromisso de ajudar aquela criança que o procurou em meados de 2008.

O professor Domício tem capacidade e psicologia suficientes não só para ensinar o xadrez, mas também para direcionar vidas, fazer parte da história e da formação de pessoas, pois assim está determinado por Deus, para ele em vida.

Domício também é dotado de uma sensibilidade que só os grandes mestres tem, e assim ajusta hora e dia para as mudanças, obedecendo mais à razão que o coração, pois muitas vezes não quer tomar medidas enérgicas e proibitivas, mas elas tem que ser tomadas para o bem das pessoas em jogo, não afrouxando nem mesmo quando seu coração pede, e assim ganha o xadrez e as pessoas.

Domício tem sabedoria e domínio sobre esse saber, no entanto, não se envaidece e não chega a perceber o tamanho, a dimensão da sua influência na melhora desse ser humano chamado Vitor Hugo Sousa Campos.

Domício tendo esse íntimo sabor na arte de ensinar e de criar formas de fazer fluir esse ensino, como poucos, se encaixa perfeitamente no perfil de professor multifuncional que desejava a educadora e psicóloga Helena Wladimirna Antipoff, iniciadora e criadora da Fundação Helena Antipoff e idealizadora das oficinas Caio Martins.

Lembrando que Helena Antipoff, russa de nascimento, formada em Psicologia da Educação em Sorbonne, veio trabalhar no Brasil a convite do governo brasileiro no século passado, para com seu grande conhecimento na área pedagógica, auxiliar na reforma do ensino, mais precisamente na formação de professores de educação no país.

É obra sua também a criação da 1ª Instituição Pestalozzi no Brasil, que depois se expandiria pelo país, virando Fundação Pestalozzi.

A vontade maior de Helena Antipoff é que a ciência fosse realmente um instrumento de melhora de vida das crianças excluídas socialmente. Sensibilizou-se e acreditava numa educação compensatória para crianças excepcionais “orgânicas” ou excepcionais “sociais”.

Nos últimos anos de sua vida (morreu em 1974) Helena Antipoff se preocupou com a descoberta de talentos e acreditava que a precária vida que os alunos levavam, somada a falta de um sistema educacional realmente universal, tenha como conseqüência a perda de um grande contingente de indivíduos talentosos

O legado de Helena Antipoff para a educação no Brasil é tão imenso que se não coube em alguns livros, tampouco, caberá em algumas linhas. O que se falar dela em termos de contribuição para nosso país, será sempre pouco, em vista do que foi e o que representou para nós, um oceano de sabedoria e dedicação.

Continua sua obra valentemente, descendentes familiares, a presidente atual da fundação Irene de Melo Pinheiro, a diretora Doralice Almeida e os responsáveis pela integração aluno-comunidade- Fundação Helena Antipoff, entre outros.
Voltando a Vitor Hugo, posso afirmar com certeza que o xadrez foi seu “Metilfenidato” que é o medicamento ministrado para o hiperativo, sendo um estimulante que tem o efeito de acalmar o sistema nervoso e aumentar a capacidade da criança de prestar atenção.

No entanto o xadrez fez mais, deu algo novo a ele, algo desafiador, deu-lhe uma atividade que melhorou sua qualidade de vida e aumentou sua sociabilidade, fazendo-o seguir regras, ter disciplina. Tudo isso foi motivador para a virada em sua vida.
Por outro lado o professor Domício foi sua “Tioridazina” que é um medicamento tranqüilizante, indicado para pacientes agitados, ansiosos e com certa irritação.

Os efeitos colaterais aconteceram e de certa forma até rápida, tornando Vitor Hugo um dependente químico do xadrez (graças a Deus), tornou-se mais amável, mais sociável, cresceu sua auto-estima, sua educação, suas notas na escola, sua beleza interna e externa, ganhou carinho, respeito atenção e direção.

Hoje Vitor Hugo parece que não consegue se libertar desse vício que é praticar um esporte saudável que só lhe faz bem e minimiza tanto o TDAH a ponto de muitas vezes não se lembrar do transtorno.

Vitor Hugo se delicia com o xadrez, se emociona, tendo prazer em estudá-lo e praticá-lo, e assim encontrou um campo onde sua imaginação passeia e se embriaga na encantadora beleza da arte desse esporte.

Além de Domício e da sua família que é sua muralha de sustentação (irmã Jéssica, pais Márcia Margareth, Gilberto Sousa, tios e tias) o apoio da escola estendido à fundação e oficinas Caio Martins, Vitor Hugo conta também com os amigos José Luiz Vieira, Malon Vinícius e o M.I.Roberto Molina que lhe orientam também no xadrez e na vida.

Por tudo isso hoje Vitor Hugo carrega no semblante e no agir um estilo suave de ser, uma alegria incontida de participar de torneios e, pode-se dizer uma vida com qualidade de vida.

Sua valentia e garra para enfrentar o transtorno e as situações decorrentes dele é que me levou a nomear esta crônica com o título ”O Pequeno Josué”, numa alusão e homenagem ao livro bíblico de nome “Josué”, que conta a trajetória de vitórias do filho de Num, que testemunhou ”Nenhuma promessa caiu de todas as boas palavras que falou de vós o Senhor, Vosso Deus”.

Se Josué, conforme, promessa de Deus cumprida, conquistou todos os territórios onde pisaram seus pés, foi de uma fidelidade a toda prova a Deus e conseguiu realmente conduzir o povo de Israel à terra prometida “Canaã“.

Sendo assim, Deus em sua graça e fidelidade não haverá de faltar também com o pequeno Josué se este andar com Ele e fizer o que lhe foi pedido.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comentem logo mais:

O Autor

 

Copyright © Centro Xadrez Design by O Pregador | Blogger Theme by Blogger Template de luxo | Powered by Blogger