"Um lutador apaixonado que já ensinou 7000 crianças e adolescentes

a praticar o fascinante jogo de xadrez...."

Nosso entrevistado é um conhecidíssimo jogador e professor de xadrez, muito respeitado em São Paulo - onde nasceu e trabalha - e por todo o país, graças às vitórias que teve nos tabuleiros e também pelas conquistas dos seus alunos.

Conheci o Prof. Antonio Carlos de Resende em 1993 num Torneio de Xadrez Rápido do centenário Clube de Xadrez São Paulo, onde fiz uma parada estratégica na viagem de Minas Gerais para o Paraná, onde iria jogar o Brasileiro Juvenil daquele ano em Matinhos - e lá se vão 17 anos!

Posteriormente nos enfrentamos num outro Torneio de Xadrez Rápido, desta feita em 2004 no Tênis Clube Paulista, evento organizado com o padrão de qualidade Newton Arruda, que dirigia à época o Departamento de Xadrez do TCP.

Bom, em ambos os confrontos o amigo e mestre internacional Resende levou a melhor... Quem sabe terei outra chance de lutar por uma vitória em 2015, data em que completa o intervalo de 11 anos da segunda partida que jogamos? Mantendo-se assim o clico de uma partida a cada 11 anos!

Seja após esses confrontos ou em dezenas de outros campeonatos que estivemos juntos (eu levando alunos de Minas e ele os seus de São Paulo), sempre conversamos sobre as questões relacionadas ao xadrez como participação em torneios, xadrez escolar e de alto rendimento. Resende torcendo pelo sucesso dos meus pupilos e eu de igual forma torcendo pelo sucesso dos dele.

A presente reportagem tomou forma em abril de 2010 quando o Prof. Antônio Resende gentilmente me convidou para visitar as modernas instalações do Colégio Albert Sabin - escola referência no xadrez nacional e a que mais ganhou títulos - em virtude do tradicional Desafio de Xadrez de Chocolate que o Sabin realiza anualmente com grande sucesso, envolvendo toda a comunidade escolar e reunindo um público estimado em 3.000 pessoas.

Encaminhei as perguntas algumas semanais depois e eis aqui então as respostas que o mestre internacional Antonio Carlos de Resende deu a elas e que faço chegar aos amigos leitores através desta publicação.

Agradeço ao Prof. Antonio Resende por ceder seu precioso tempo - já que realiza muitas atividades no xadrez - e o parabenizo pela carreira de sucesso que há décadas vem desenvolvendo.

Perfil

Antônio Carlos de ResendeNome completo: Antonio Carlos de Resende

Data de nascimento: 10/01/1959

Onde nasceu: São Paulo/SP

Cidade em que reside: São Paulo/SP

Formação acadêmica: Licenciatura em História

Profissão: professor e treinador de xadrez

Rating Fide: 2403 de Elo (lista de 1º de julho de 2010)

Título: mestre internacional

Entrevista

Como se deu seu ingresso no mundo do xadrez?

Aprendi a jogar aos 13 anos, na época de Fischer x Spassky, mas na realidade só comecei mesmo aos 14 anos, em 1973. Um amigo da escola me ensinou a jogar. Meu primeiro jogo de xadrez foi feito por mim com tampinhas de garrafa e cartolina. Este jogo me ajudou a estudar um pouco através de livros que eu tomava emprestado da Biblioteca Pública de Osasco e também da coluna do jornal O Estado de São Paulo, feita pelo Herman Claudius.

Quando me encantei pelo jogo procurei a escola de xadrez da Prefeitura de Osasco. Era longe de casa e eu caminhava uns 5km, cerca de uma hora para chegar lá. Não tive apoio inicial de meu pai que dizia que xadrez era jogo de azar e só para ricos. Mais tarde ele me incentivou.

No ano de 1975 conheci o Clube de Xadrez São Paulo (CXSP), com sua biblioteca, torneios e muitos jogadores. No começo não tinha dinheiro para pagar a mensalidade. Aí contei com a bondade do porteiro Isidoro, que me deixava entrar nos sábados para jogar relâmpago. Com meu salário de office-boy consegui me associar. Muitas vezes, nos fins de semana, eu chegava no CXSP às 14h e saía às 2h da madrugada. A minha primeira partida contra um mestre foi contra o MI Helder Câmara, que me venceu uma partida que estava empatada e me elogiou muito. Aquele dia para mim é inesquecível!

Teve alguma assistência técnica ou progrediu sozinho?

Praticamente fui um autodidata com muita vontade de progredir. Hoje eu conto aos meus alunos que no início de minha carreira só queria jogar contra enxadristas mais fortes e experientes. Eu observava muito as partidas dos fortes enxadristas, adorava analisar e ver partidas dos grandes campeões, como Alexandru Segal e Antonio Rocha. Aprendi muito com eles.

Você integra um restrito grupo de professores que leciona no Colégio Albert Sabin desde sua fundação. Como é lecionar no Sabin?

Desde sua fundação, no ano de 1994, o Colégio Albert Sabin sempre acreditou no xadrez como um grande diferencial para seus alunos. O xadrez está na grade curricular do 2º ao 5º ano. Há ainda a possibilidade de o aluno fazer mais aulas no curso extracurricular. Temos
uma sala ambiente, com tabuleiro e peças gigantes, computador, data-show com telão e tabuleiro mural. Anualmente a direção do Colégio incentiva a participação nos campeonatos paulistas, brasileiros, sul-americanos, pan-americanos e nos principais torneios escolares.

A estrutura física da escola, como um todo, é excepcional. A parte pedagógica é de alta qualidade e o Colégio frequentemente está entre os melhores do Estado em muitas áreas. Pedagogia moderna, inglês forte, um ótimo projeto de esportes e estrutura física adequada tornam a escola um referencial. O xadrez dá sua contribuição em todo este sucesso.

O Colégio Albert Sabin detém o recorde de titulos brasileiros por equipes e individual. Não há outra escola no Brasil - pelo menos que eu saiba - que tenha revelado tantos campeões no xadrez. Qual o segredo de tantas conquistas?

O Colégio conquistou seis vezes o Brasileiro Escolar. Doze alunos já se tornaram campeões brasileiros. Alguns deles conquistando três a quatro vezes o título nacional. Um título pan-americano e 4 sul-americanos também. Ganhamos um título brasileiro de escolas pela internet em 2008. Obtivemos ainda vários títulos estaduais. Acrescento que uma das jogadoras da equipe Olímpica, que representará o Brasil na Rússia, em novembro deste ano, é nossa aluna Amanda Marques Pereira.

Não há um receita a não ser uma convergência de fatores como estrutura promovida pelo Colégio, apoio e incentivo dos pais e habilidade individual dos alunos. Se subtraíssemos um destes fatores não teríamos estes resultados.

Estive esse ano no Albert Sabin participando do extrardinário Desafio de Xadrez de Chocolate, uma verdadeira festa do xadrez. Fale sobre essa atividade beneficente anual que você organiza no Sabin e que envolve toda a escola.

Este evento começou pequeno em 2002. Surgiu de uma brincadeira que eu faço em aula, fazendo um trocadilho com a expressão “comer a peça”. Em 2004 tornou-se um evento do calendário do Colégio com caráter beneficente. A inscrição é um ovo de páscoa por aluno participante. Estes ovos de Páscoa são repassados a intituições de caridade.

Este ano, que você presenciou, foram 1300 jogadores e 1700 espectadores, divididos em três horários. Além de incentivar a prática do xadrez nas famílias, conseguimos 1300 ovos doados a 1300 crianças orfãs, carentes.

Cite alguns dos alunos que trabalha (ou trabalhou) e que conseguiram destaque estadual, nacional ou internacional.

Posso falar de alguns alunos que muito me honram. O importante é dizer também que aprendi muito com estes enxadristas. Com cada um deles tive muitas alegrias, algumas frustações também, mas muito aprendizado. De xadrez e de vida.

Do Colégio Albert Sabin destaco: Rabbith e Caleb Shitsuka, Larissa Tokinari, Helena Resende, Leandro e Rodrigo Jukemura, Igor dos Santos Silva, Guilherme de Souza, Felipe Massarioli, Amanda Marques Pereira e Angélica Takiguchi.

Anteriormente, em Osasco, destaco Monica e Érika Kurihara, Marco Antonio Tubero, Fernanda Yasaki, Vanessa Tashima e Douglas Cancherini.

De todos os alunos o que eu mais cito como exemplo para meus atuais alunos é sem dúvida o MI Roberto Tadashi Watanabe. Este ultrapassou o professor. Aliava talento e estudo individual. Eu dava um livro para ler um capítulo em uma semana e ele lia o livro em um dia! É da geração anterior a Rafael Leitão e Giovanni Vescovi e se não tivesse parado chegaria fácil a grande mestre também.

Que qualidades você julga que um professor de xadrez deve possuir?

Gostar de trabalhar com crianças, ter didática e paciência. Mas a principal é acreditar que está contribuindo para o crescimento intelectual do aluno e para sua vida.

E o aluno, que qualidades ele precisa desenvolver para ter resultados expressivos na modalidade?

Esforço individual nos treinamentos e persistência. Os pais também precisam incentivar e acompanhar, porém sem exigir resultados para que não haja a perda do prazer em jogar xadrez.

Você poderia recomendar aos nossos leitores alguns livros e softwares que considera importantes para o progresso no xadrez?

Para mim foi o Estratégia Moderna de Xadrez, do Ludek Pachman. Também Zurich 1953 do Bronstein. Mais recentemente os livros do Kasparov, Meus Grandes Predecessores.

Softwares: ChessBase e Rybka. Para crianças e principiantes recomendo o xadrez com o Pequeno Fritz.

Clubes de Xadrez pela internet como o IXC, o Buho21, o PlayChess e o ICC, do qual sou filiado.

Acompanhar sites importantes como o Clube de Xadrez On-Line, La Tabla de Flandes e ChessBase.

Os blogs são ótimas ferramentas de conhecimento, leitura e até diversão. Acompanho vários blogs do Brasil e alguns do exterior. São leituras interessantes feitas por gente apaixonada por xadrez.

Principais títulos que obteve no xadrez como jogador.

Destaco o Campeonato Paulista de 1979, o tetracampeonato brasileiro de equipes, e algumas conquistas em Torneios Internacionais, na Espanha e Angola.

Conte como foi sua trajetória para chegar ao título de mestre internacional.

Nas décadas de 80 e 90 havia poucos torneios válidos para normas de MI. Você tinha que sair para o exterior para facilitar a carreira, mas isso esbarrava no financeiro. No total eu joguei 18 torneios válidos e fiz 5 normas. Conquistei meu título só em 2005, aos 46 anos.

Partida que você jogou e que gostaria de mostrar aos leitores.

Congresso de Hastings (Inglaterra) de 1990 - Grupo Challengers

Hebden x Resende

1. d4 Cf6 2. Cf3 e6 3. c4 Bb4+ 4. Bd2 De7 5. g3 O-O 6. Bg2 Bxd2+ 7. Dxd2 d6 8.Cc3 e5 9. O-O Te8 10. Tac1 c6 11. e4 Bg4 12. Ch4 Ca6 13. f4 Be6 14. d5 cxd5 15.exd5 Bd7 16. Tce1 Dd8 17. fxe5 Db6+ 18. Rh1 Txe5 19. Txe5 dxe5 20. d6 Cc5 21.Txf6 gxf6 22. Cd5 Dxd6 23. Dh6 Rh8 24. b4 Cd3 25. Rg1 Df8 26. Dd2 e4 27. Bxe4 Ce5 28. Cxf6 Bh3 29. Cd5 Td8 30. Dg5 f6 31. Dh5 Td7 32. Cg6+ Cxg6 33. Dxh3 Ce5 34. Df5 Tf7 35. c5 Cc6 36. g4 Ce7 37. Cxe7 Dxe7 38. Rf2 Dc7 39. Rg2 Dd8 40. Rg3 Dc7+ 41. Df4 Dd8 42. h4 Dd4 43. Bg2 Dc3+ 44. Bf3 a5 45. a3 Dxa3 46. Dc4 Rg7 47.bxa5 Dxa5 48. Bd5 De1+ 49. Rh3 Te7 50. Bf3 De3 51. Rg2 Td7 52. De4 Dxc5 0-1

Conte como foi a experiência de trabalhar com o xadrez em Joinville/SC.

Em Joinville iniciei meu trabalho em 1980, começando praticamente do zero. Desenvolvi um projeto nas escolas, montamos um clube com o apoio da Prefeitura e coordenei as equipes de base, feminina e principal. Fui muito bem recebido naquela cidade, onde me formei em História, minha outra paixão.

E o xadrez de Osasco?! Você lecionou lá e representou a cidade por muitos anos. Diga-nos do legado enxadrístico que deixou no município.

Eu me dediquei durante 19 anos ao xadrez de Osasco, quando fui trazido em 1985 por Wagner Madeira. Conquistamos muitos títulos e formamos vários bons enxadristas. Por questões políticas alheias à minha vontade este trabalho foi interrompido em 2005.

Você é um dos mestres que mais disputaram Jogos Regionais e Abertos do Interior de São Paulo. Em 2010 você jogará por alguma cidade? Se sim qual e como está composta a equipe.

Jogarei por Sorocaba, como em 2009. É uma honra jogar por esta cidade que tem o Clube de Xadrez mais antigo do interior do Brasil (Clube de Xadrez de Sorocaba). Ainda não sei como será a formação, pois isto está a cargo do Eugênio Herbst.

Os Jogos Regionais e principalmente os Jogos Abertos do Interior de São Paulo são os torneios mais importantes, porque movimentam os principais enxadristas do país e alguns estrangeiros convidados.

Assim como eu, você pertence a uma geração de jogadores/professores que progrediram incialmente sem o apoio de programas de computador e sem auxílio da internet. Como foi a adaptação dos livros para o computador?! Você consegue integrar bem o método antigo de treinamento (da nossa época) com o atual?

Eu me lembro que levávamos uma mala de livros para treinamento e preparação. Hoje a facilidade é enorme com o ChessBase e a Internet. Este progresso, é claro, foi muito bem vindo. Diminuiu a diferença entre os jogadores.

A carreira de treinador ajuda ou atrapalha a de jogador (e vice-versa)? Você acha que é possível as duas conviverem concomitantemente?

Sem dúvida o nível do jogo cai um pouco porque o enxadrista se prepara menos trabalhando com aulas de xadrez. Não dá para eu jogar todos os torneios que gostaria. Além disso tenho a minha família, com três filhos que exigem muito minha presença.

Como é ser professor de xadrez? Você vê alguma diferença (para melhor ou para pior) entre ser professor de xadrez ou de outras disciplinas?

No começo foi mais difícil, porque os outros profissionais da área não davam tanta importância. Isso mudou devido ao crescimento da valorização do xadrez como ferramenta pedagógica.

Quais os próximos passos no xadrez? Pretende retornar aos tabuleiros tomando parte em mais competições ou a intenção é investir cada vez mais na carreira de professor/treinador?!

Não pretendo parar de jogar porque a paixão por este jogo é enorme. Mas investirei mais tempo na área pedagógica e de treinamento. Eu desenvolvi um curso de 20 horas na formação de professores e este trabalho tem me encantado. Quero viajar o Brasil dando palestras, incentivando e instruindo novos professores de xadrez.

MI Antonio Carlos de Resende por ele mesmo...

Um lutador apaixonado que já ensinou 7000 crianças e adolescentes a praticar o fascinante jogo de xadrez.

Espaço para as considerações finais.

Agradeço ao Gérson e ao Clube de Xadrez On-Line o espaço para divulgar meu trabalho.

Deixo meu e-mail para contato: mestreresende@bol.com.br.

Muito obrigado!

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